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As ondas e os dias intermináveis.

  • Foto do escritor: Marta d'Orey
    Marta d'Orey
  • 8 de dez. de 2014
  • 2 min de leitura

Foi num quente dia de Agosto que agarrei no bloco e na caneta, e escrevi isto. Ainda o sol estava quente e eu já o sentia frio, ainda o cheiro a verão pairava no ar, mas esse cheiro sabia-me a inverno próximo. Acho que se pode dizer que tenho sempre o tempo á perna, numa ameaça desmedida de me arrancar aquilo que ainda tenho.

"Manhâs tardias aquecidas pelo sol já alto. Cheiro intenso a pinheiro e areia quente. Mar, muito mar. Ondas que vêm e voltam sem se cansarem, trazendo dias intermináveis e memórias que ficam, mas levando, cada vez mais depressa, um bocadinho, cada vez maior, deste interminável, que deixa fragmentos de conchas e pedras salgadas enterradas na areia.

Traiçoeira, esta tal memória. Traz, mas nunca por inteiro. Lembra, mas não ressuscita. Falta sempre alguma peça, e é essa mesma peça que lembra que a infinidade é uma ilusão; que tudo acaba, e ponto final.

Um dia não vão haver estes arrozais ainda por colher, e onde ao fundo, iluminada pela luz do crepúsculo, está esta menina, com estes cabelos aos quais o sol emprestou o seu brilho e com esta pele queimada de tantos dias intermináveis, com este vestido branco e pés descalços que a fazem parecer um simples fruto da árvore que lhe dá sombra.

Um dia estes olhos verdes, não irão ver o tão verde dos arrozais, nem a areia que se entrenha por entre os dedos dos seus pés descalços.

Um dia, esta boca não irá saborear o doce do pêssego ou a frescura do seu sumo que lhe escorre pelo queixo, nem irão sorrir desabrochando toda a inocência de uma juventude.

Um dia, estes ouvidos não irão decifrar o canto da cegonha, ou o sopro do vento no arroz, ondulando-o ao sabor da sua música; ou das ondas do mar, que rebentam na areia molhada, trazendo tudo o que é bom, para depois levar de volta, como quem acha que já não há direito de dar qualquer infinidade a estes dias de verão intermináveis. E secalhar não há mesmo.

Mas estas crueis ondas ás quais o tempo comanda, têm a decência de dar um vislumbre, por detrás da sua espuma, daquilo que trazem á costa. E eu gosto da vista."

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